segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O secretário do padre

      Certa vez, chega a minha oficina um sujeito que se apresenta como o "secretário do padre" da igreja católica aqui do bairro. Era Valdecy, um rapaz de mais ou menos trinta anos, loiro de cabelos encaracolados, magro e de óculos, sempre portava uma pasta com apontamentos relativos aos gastos da igreja, administrados por ele. Eu deveria arrumar o carro de passeio do padre e uma van de uso exclusivo da igreja. Ele me leva até a igreja para fazer o orçamento em ambos os carros. Após calcular o tempo que iria perder, somar ao material estimado nas reformas, como de praxe, dei a ele o valor total do trabalho, ao que ele pechinchou alegando que sabia que eu era católico e poderia descontar alguma porcentagem como contribuição a igreja, que no momento estava em dificuldades financeiras. Neste momento eu pensei na minha mãezinha, tão devota, e em homenagem a ela, fiz um bom desconto, como uma doação a igreja. Ele então, muito satisfeito, fechou o acordo, alertando porém que ele próprio me pagaria em dinheiro ou cheque da igreja, não precisando incomodar o padre, que tinha muitos assuntos importantes e jamais perdia tempo com coisas irrelevantes.
- O pobre padre Genaro nem está bem de saúde, coitadinho, até está com dificuldade para rezar a missa! Disse ele.
- Puxa, que pena! Ele ainda tão novo! Respondi, já pegando as chaves da van, que levaria de imediato para a oficina.
 Após cerca de uma semana, o trabalho na van estava pronto, e o Valdecy, que passava diariamente na oficina, foi busca-la e em seguida trouxe o carro de passeio de uso exclusivo do padre Genaro, que eu passei a consertar. Valdecy, muito alegre, elogiou muito a reforma da van e reitera que ao término do carro do padre, ele pagaria os dois trabalhos, conforme o combinado, bastava eu apronta-lo o mais breve possível.
- Tudo bem, Valdecy! Até quarta-feira estará pronto, e você poderá vir busca-lo, ok?
- Ok! Até lá então!
  Entretanto, o serviço andou mais rápido do que eu esperava e já na terça-feira à tarde o carro do padre já estava prontinho, como eu havia marcado a entrega ao Valdecy só na quarta-feira, cobri-o com uma capa e passei a trabalhar em outro carro, quando o telefone toca:
- Alô! É da oficina de pintura? Disse alguém do outro lado da linha.
- Sim, pois não.
- Aqui é o padre Genaro da igreja Santa Luzia, meu carro já está pronto? eu sei que ele só ficaria pronto na quinta-feira (?), mas é que eu precisava tanto dele!
- Oi padre! Sim, ele ficou pronto mais cedo do que eu previa, e o senhor como está de saúde, tudo bem?
- Que ótimo, meu filho, e eu estou ótimo de saúde também! Com a mesma disposição de sempre! Faça um favorzinho p'ra mim... Traga o meu carro agorinha que eu te dou uma gorjeta! Já estou fazendo o seu cheque! Pode ser?
- Claro padre! Com muito prazer! Estou indo aí, então.
 Puxa, que legal o padre estar bem de saúde, minha mãe ficará feliz de saber, eu pensava, já manobrando o carro na vaga reservada para o padre, no estacionamento da igreja, após o que eu deveria me dirigir até o gabinete do padre, quando correndo em disparada o Valdecy com sua pastinha de anotações vem ao meu encontro, me abordando ofegante:
- Ainda bem que eu consegui alcançar você antes que o padre!
- Porque? Está tudo perfeito, eu só acabei o serviço um dia antes do combinado, relaxa! Ele vai gostar do trabalho...
- Cara, quando o padre me perguntou quanto ficou a reforma dos carros, não sei o que me deu na cabeça que eu falei o dobro do valor! Ele já deve ter preenchido e assinado o cheque!
- Caramba! Como isto aconteceu! Repliquei.
- Como o seu orçamento foi o menor de todos que eu havia pesquisado, cerca da metade do preço cobrado em outras oficinas eu acabei me confundindo... Falou o Valdecy.
- Bem, eu acho que não custa nada ele preencher outro cheque e cancelar o primeiro, então...
- Nãããão! Vai lá e receba o cheque, depois a gente conversa! Falou nervoso o secretário do padre. Este erro pode me prejudicar! Ele pode pensar que eu fiz de propósito! Disse suando por todos os poros.
- A última coisa que eu quero fazer é prejudicar alguém... Ia dizendo quando ele me cortou aflito:
- Pensa rapaz! Eu estou nas tuas mãos! Suplicou.
- Mas eu até trouxe um relatório e um termo de garantia do trabalho...
- Deixa pra lá! Ele vai te pedir recibo lá no gabinete, já está preenchido, você assina e vai embora, depois a gente se fala! Repetia ele, com tanto nervosismo que até dava pena do Valdecy!
Deixei-o, e fui até o gabinete do padre, que me atendeu muito alegre e satisfeito com a rapidez que fiz o trabalho:
- Meu filho, ficou bom meu carro? Você não "matou" o serviço para receber logo, não né?
- Não seu padre! Ficou muito bem feito, e tem garantia! Respondi.
- Bom... Aqui está o cheque, e a gorjeta que prometi, assine este recibo, já preenchido pelo Valdecy, para que ele junte a contabilidade da igreja.
 Assinei o recibo, agradeci, enfiei o cheque e a gorjeta no bolso e apertei a mão que o  padre me ofereceu, se despedindo com um "vai com Deus, meu filho". Só na rua, voltando a pé para casa que eu verifiquei o cheque: era mais que o dobro do combinado com o Valdecy, já que havia o desconto dado por mim como caridade as obras da igreja, atendendo ao argumento do secretário. O Valdecy nunca mais me procurou, e portanto nunca mais eu arrumei os carros da igreja de Santa Luzia, mas eu fiquei sabendo que ele continuou por muitos anos a exercer a secretaria da igreja, e quando saiu assumiu a vaga um sobrinho dele...
 Fiquei com a diferença cobrada a mais por "engano" pelo Valdecy, pois quem trabalhou foi eu, e não achei nem um pouco cristão da parte dele o desvio de verba da igreja... Aos poucos eu ia conhecendo as pessoas e sua hipocrisia. 

Um comentário:

  1. Muito bom...mostrando a vida como ela é, pessoas gananciosas querendo se dá bem as custas dos outros.

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obrigado pelo comentário!