quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Acrobata

O parque do Horto Florestal é sem dúvida a melhor opção de lazer que tenho no bairro onde nasci, cresci e vivo até hoje. Lá existe uma área destinada a quem pratica atividades físicas, com aparelhos de argolas com correntes e barras transversais, onde a rapaziada (atletas?) além de se exercitar, se exibem para um público eventual. Este lugar é frequentado assiduamente pelos jovens que não tendo acesso as academias, encontram uma forma gratuita para praticar e trocar informações com pessoas que possuem os mesmos interesses. Todos tem um mesmo padrão: camisa regata, músculos, agasalho de treino, tênis, um jeito de olhar para os sedentários como que de exibição ou superioridade, coisa da vaidade juvenil (e de adultos imaturos...) Nas argolas  saciam sua vontade de exibição, ficam pendurados no alto, como se estivessem num palco, treinam acrobacias e as pessoas param para ver e se surpreender com suas performances. Num passado recente, um personagem ficou conhecido  e acabou criando um  público até mesmo fiel para esta digamos atividade, se houvesse uma competição para saber quem é o melhor atleta local nas tais argolas, ele ganharia disparadamente. Quando a galerinha percebia que ele estava se preparando para subir nas argolas, ficava atenta na expectativa da sua apresentação,  que na verdade era o seu treino, mas para as pessoas ali presentes, crianças na maioria, era um verdadeiro show!  Este sujeito, deveria possuir o mesmo padrão de todos e se destacar apenas pelas suas habilidades, entretanto...
O nome dele eu não sei, mas é um personagem real, morador da favela do Guarani, muito popular ainda hoje, não só pelas acrobacias que fazia nas argolas como pela pele totalmente tatuada, inclusive no rosto, aparentava à época ter mais ou menos vinte anos.  Sempre de botas pretas, jaqueta com apliques "punks" e calças compridas, também pretas, seu cabelo cortado à moda rock, com topete e costeletas imitando Elvis, penteado com bastante gel, que não desalinhava nem após as apresentações! Jamais tirava uma única peça da sua indumentária, fazendo suas apresentações nas argolas da mesma forma que circulava pela cidade, o que era um contraponto aos demais, que julgavam-se atletas e se trajavam como tais... Eu o batizei de Acrobata Punk, o que espero que não o magoe, posto que este texto tem como única motivação o tributo que presto a ele, não pela sua aparência física, mas sim pela sua habilidade natural nas argolas, que constituía um espetáculo digno de ser visto! Para quem não sabe, basta conferir uma prova de argolas na ginastica olímpica. Ele, o Acrobata Punk, fazia o "cristo" normal e  de ponta-cabeça, a paradinha sentada, várias piruetas impossíveis e depois saltava de forma mirabolante, sempre sobrepujando a todos os demais, que não podiam imitar as suas proezas, dado a dificuldade em faze-las.  Sempre sozinho, não falava com quase ninguém, era de poucas palavras e não se enturmava com o grupo dos "atletas", porém com todas as tatuagens e o modo de se vestir, somados as performances acrobáticas era natural que obtivesse uma certa fama local, pois o parque do Horto Florestal é um local bastante frequentado, e ele não saia de lá, ou pelo menos aos domingos, quando eu e meus amigos ansiosos por divertimento gratuito, seguíamos em romaria até o parque, sempre o encontrávamos circulando ou se exibindo com as acrobacias nas argolas.
O tempo passou... Eu nem lembrava mais sequer do Horto, quanto mais do Acrobata Punk, até que um dia meus sobrinhos me pediram para leva-los a um passeio, e eu acabei seguindo para o antigo parque que tanto havia desfrutado em minha infância e juventude. Depois de conseguir uma balança para cada um dos sobrinhos, eles eram em  três, e de ficar vigiando-os sentado em um banco bem de frente as argolas, uma série de lembranças acabaram levando-me de volta ao passado, olhando aquelas mesmas argolas e as pessoas  pendurando-se para a pratica da ginástica, inevitavelmente surgiu a recordação do Acrobata Punk, o rapaz que alguns anos antes dava verdadeiros shows naquele mesmo local, olhei para os lados, como que a procura-lo, talvez ele estivesse por ali e ainda treinasse nas argolas... Não! Seria o cúmulo da coincidência! Mesmo assim, com o cenário praticamente idêntico, só mudando os personagens, pareceu-me, por um momento que o tempo era uma ilusão, e como por mágica eu estava de volta ao passado, pronto para ver mais uma apresentação de piruetas e malabarismos, pois naquele instante eu parecia estar sofrendo uma espécie de regressão psíquica,  me senti transportado a uma realidade atemporal, só faltava entrar em cena o tal punk acrobático...
Num átimo, volto ao presente, aos gritos da sobrinha mais nova que não quer mais balançar, agora quer ir brincar na gangorra, eu digo a ela que pode ir e a acompanho com o olhar, foi quando vi chegando as argolas um sujeito vestido com calças e jaqueta preta, botas de cano longo e os cabelos cortados ao estilo de Elvis, penteados e fixados com gel. Ele recebe os cumprimentos de todos os outros, e sobe nas argolas. Realiza algumas acrobacias e salta, aplaudido pelos meninos, adultos e jovens que ali estavam. Já percebo, apesar da distancia que me encontrava, que não era a mesma pessoa, era mais baixo, e não tinha no rosto as tais tatuagens, a minha curiosidade cresce e me aproximo, vejo então que o rapaz é quase um garoto, de no máximo uns treze anos de idade, reparei também que ele tinha um pé enorme, ou usava uma botina muito grande, me lembrando o vagabundo imortal de Chaplin. Não conversei com ele, assim como jamais havia falado com o outro, mas após o meu espanto em presenciar uma cena "déjà vu", ter diminuído, me lembrei de Carl Jung e suas teorias sobre a sincronicidade, principalmente quando na tarde do dia em que comecei a escrever este texto, Arthur Zanetti, um jovem atleta brasileiro ganha a medalha de ouro nas olimpíadas justamente nas argolas, surpreendendo todo mundo, fato inédito para o esporte nacional! É mole tanta "sincronicidade"???